segunda-feira, 4 de março de 2013

Acidente


Esta banda teve um bom disco editado pela Baratos Afins em 1982, e nem a fraquíssima produção conseguiu obscurecer o talento do pessoal. Faziam uma espécie de Hard Blues eletrificado.

Houve uma época em que as coisas pareceram que iam acontecer. Isto se apllca a quase tudo; no caso, o assunto é rock brasileiro de garagem. O Acidente,“aquela banda que ninguém conhece mas todo mundo já ouviu falar”, foi  fundada em 1978 no Rio por estudantes de Jornalismo e chegou a se destacar no underground carioca; porém depois, à medida em que lançava seus discos independentes, foi sendo meticulosamente desinventado pela mídia, junto com muitas outras bandas na mesma situação, para que meia dúzia de dez ou vinte apaniguados pudessem ocupar com  exclusividade todo o espaço disponível e, em conseqüência, fruir sem concorrentes toda a fama e a fortuna que aquele breve idílio entre o público brasileiro e o rock tivesse a proporcionar.

Existiram duas bandas com o mesmo nome Acidente, diferentes em época e estilo, sem nada em comum exceto o nome e o produtor/tecladista. O segundo Acidente, criado em 1989, tinha uma proposta basicamente instrumental, com influências progressivas, e seu trabalho está bem documentado em CD, tal como a fusão que se seguiu a partir de 2003, com velhos e novos integrantes mantendo viva a chama através de lançamentos esporádicos. Entretanto, o Acidente original, o primeiro e único “Old Aça”, permanecia restrito a antigos vinis - até agora, quando se comemoram 30 anos do primeiro LP do grupo, “Guerra Civil”.
Duas bandas de garagem (“conjuntos”, como se dizia na época) deram origem ao Acidente. Na Banda Só Por Uma Noite, formada em 1974, tocavam Guto Rolim, Zeca Pereira e Paulo Malária, fazendo uma mistura de rock básico, baladas e temas difíceis de rotular. Entrementes, Helio “Scubi” Jenné e Raul Branco fabricavam suas óperas-rock setentistas (que nunca vieram a público) sob o nome de Leviathan. Do encontro entre Scubi, Raul e Mala na Escola de Comunicação da UFRJ, em 1977, surgiu o efêmero Os Alegres Compadres de Windsor e, no ano seguinte, o Acidente enfim estreou num conturbado festival universitário em recinto nobre, onde não faltou nenhum ingrediente: gritos, tumulto, insultos, vômito. Estava oficialmente inaugurado o Acidente com sua proposta que se alterou substancialmente ao longo dos anos, da mesma forma que seus membros.
Os tempos que se seguiram foram de intensa criatividade e o Aça se tornou figurinha fácil em espeluncas noturnas e albergues universitários, onde seus shows atraíam uma pequena multidão de rockeiros ávidos por algo diferente e autêntico, que elevasse seus espíritos a viagens alucinantes e os abstraísse por algumas horas do fato de viverem numa ditadura miserável do Terceiro Mundo. O Acidente fazia a cabeça de seus músicos e de seus fãs.

Tudo estava indo bem e um disco parecia ser a conseqüência natural; contudo, como nenhuma gravadora se interessasse (durante vários anos, o catálogo de rock nacional se resumiu a três ou quatro nomes bem manjados), o tecladista da banda ficou puto, se arvorou em produtor e o resultado da inexperiência foi o primeiro LP independente de uma banda de rock carioca: “Guerra Civil”, que saiu em junho de 1981. Na foto, a  formação da época:  Mala (teclado, voz), Guto (baixo), Scubi (guitarra, voz), Zeca (bateria) e o guitarrista Fernando Sá (o Samuca), que deixou a banda pouco depois para montar seu próprio grupo. Porque aí a demanda do público brasileiro por rock estava se tornando irrefreável para os parcos investimentos que os grandes selos até então faziam no setor, e novas bandas passaram a espoucar às dúzias todo dia.
Com seu album nas mãos, os membros do Acidente, investidos da função extra de divulgadores, descobriram a realidade: as portas da mídia, impressa e sonora, estavam fechadas para independentes. Quase cada segundo ou milímetro tinha preço, e já estava tudo loteado (nem iríamos pagar...). “Guerra Civil” enfrentou o completo desconhecimento e quase foi queimado em praça pública como protesto, até que um programa (“Poeira e Country”) de uma rádio carioca de grande audiência (98 FM) se encantou pela faixa “O Vaqueiro e a Debutante” e começou a executá-la diariamente, inclusive colocando-a várias vezes no 1° lugar. Isto foi no verão de 1981 para 1982.
Ato contínuo, entrou no ar em fase experimental a Fluminense FM, “a Maldita”, e bastou levar o disco na rádio para que passassem a programar incessantemente várias faixas. Por volta do carnaval, a Maldita era a grande novidade entre a juventude rockeira carioca e o Acidente teve sua chance de ouro.
Como algo tinha que ter dado muito errado (ou você não estaria agora lendo o encarte de um modesto disco independente), naquele exato instante, enquanto trocentos neófitos espoucavam, o Aça estava desmobilizado e assim ficou durante preciosos meses. Parafraseando um então candidato a governador, o cavalo passou encilhado uma única vez e o Acidente não o montou.




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